As falhas de comunicação entre empresas, produtores e entidades em questões ligadas à Moratória da Soja têm gerado atritos crescentes no setor. Produtores relatam receios de embargos por parte das grandes tradings. As empresas, por sua vez, enfrentam dificuldades para desfazer mal-entendidos que ganham cada vez mais contornos políticos.
A Moratória da Soja é um acordo setorial no qual as empresas signatárias se comprometem a não comprar soja produzida em áreas do bioma Amazônia desmatadas a partir de 2008. O acordo sempre foi questionado por produtores que consideram as exigências um freio ilegal à atividade agrícola. Isso porque o Código Florestal permite o desmate de até 20% de propriedades dentro do bioma Amazônia.
Produtores de Rondônia e Mato Grosso que preferem não ser identificados dizem que as tradings estariam cancelando contratos de compra e venda de soja de agricultores que possuem alguma área embargada por causa da Moratória da Soja. A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), que tem respondido em nome das empresas nas discussões relacionadas à moratória, diz que o embargo não é feito por CPF de produtor, mas por propriedade.
Se o produtor tem mais de uma propriedade e uma delas tem área embargada, ao tentar vender a soja para as tradings, essa produção passa por um monitoramento, para garantir que não haja triangulação, ou seja, que a soja vinda de uma fazenda embargada seja vendida como se fosse cultivada em área sem desmate. “Se o produtor apresenta um volume de produção muito acima do que seria normal para aquela propriedade liberada, as empresas avaliam se pode ter triangulação”, disse uma fonte ligada às indústrias.
Procuradas, ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus Company (LDC) negaram que tenham cancelado contratos com produtores.
Para o senador Marcos Rogério (PL-RO), que levou as discussões sobre a Moratória da Soja ao Senado, há um excesso por parte das empresas, que têm se recusado a comprar soja de áreas regulares segundo o Código Florestal. “Essa moratória não respeita o que a lei estabeleceu, é um mecanismo de controle de preço. Se você controla a oferta, controla o preço. Fizeram uma espécie de ‘Opep’ de commodities debaixo das nossas barbas”, disse o senador, comparando o acordo com a organização que reúne os países produtores de petróleo.
Mauricio Buffon, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil), concorda. “Um acordo como a moratória teria que respeitar o Código Florestal Brasileiro. Senão é só um embargo econômico. Nós temos um código rígido, que exige um nível de preservação como nenhum outro país”, disse.
Produtores x União Europeia
Outro atrito recente culminou com a publicação, no dia 14 de fevereiro, de uma nota da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) recomendando que os produtores recusem a inclusão, em contratos de venda de soja, de requisitos previstos na lei antidesmatamento da União Europeia (EUDR) — que deve começar a ser aplicada na virada do ano.
Segundo Buffon, algumas tradings já estariam exigindo o cumprimento das regras. “Há algumas tradings querendo impor essa lei nos contratos, inclusive nos contratos futuros. A ideia é que a gente não assine nada”, afirmou.
Mas, segundo fontes das indústrias, algumas empresas começaram a consultar produtores para identificar aqueles que têm produção adequada às regras da EUDR, para contratação da próxima safra. Conforme essas fontes, a consulta é um movimento natural e não haveria exclusão de produtores.
Ação no Cade contra a Moratória
No começo de fevereiro, a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) acionou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) contra as associações de empresas e indústrias integrantes da Moratória da Soja, seguindo caminho já adotado pela Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja-MT) e a Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados em 2024.
Ainda em setembro de 2024, o Cade abriu inquérito para apurar possível infração à ordem econômica relacionada à moratória, atendendo ao pedido da Comissão de Agricultura. As entidades alegam que a moratória configura uma posição dominante no mercado das tradings, o que fere a lei da livre concorrência na visão dos produtores. Essas empresas detêm quase 90% de participação na comercialização de soja no país.
“Esperamos que o Cade seja enérgico na punição desse conluio econômico, impedindo que essas multinacionais usem argumentos ambientais falaciosos para coordenar o mercado e ditar quais produtores podem ou não comercializar sua soja”, afirmou o senador Marcos Rogério .
Uma fonte ligada às indústrias, que preferiu não ser identificada, considera a atitude meramente política. “As entidades podiam simplesmente se reunir com o Cade e fornecer informações para subsidiar o inquérito aberto a pedido dos deputados. Mas preferiram fazer novos pedidos de inquérito para chamar mais atenção, manter o assunto vivo. Estou convencido de que não tem uma questão concorrencial aqui. As empresas participam de uma série de protocolos de produção sustentável, atendendo à demanda internacional”, afirmou a fonte.
Cibelle Bouças e Rafael Walendorff – Globo Rural